Terceirização da culpa nas empresas, quem nunca?


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Se eu te disser que o fracasso que acontece em uma empresa, principalmente nas mais criativas, é o fracasso de muitas pessoas, e não de apenas uma, faz sentido?

Caso essa pergunta aparente ser simplista demais, então como você me explicaria o que eu costumo chamar de “terceirização da culpa”?

Aos que nunca pararam para pensar sobre esse assunto, saiba que essa é uma atitude cada vez mais presente em nossas organizações – e com um detalhe – quanto mais familiar, ou mais níveis hierárquicos existirem em tal empresa, mais a terceirização se manifestará.

Mas o que significa essa tal de terceirização da culpa?

Se fosse para relacionar o termo com a ciência, eu o conceituaria com o que a psicologia teorizo como mecanismos de defesa, ou seja, são ações psicológicas que tem por finalidade reduzir qualquer manifestação que pode colocar em perigo a integridade do ego, onde o indivíduo não consiga ligar com situações que por algum motivo considere ameaçadoras.

Entretanto, para entender o como e o por que a terceirização da culpa se manifesta nas empresas, antes será necessário realizarmos um curto resgate histórico sobre a história da Administração. Vem comigo.

Antigamente, no período anterior à Revolução Industrial, era comum que um mesmo artesão cuidasse de todos os processos que envolviam a sua atividade, indo desde a obtenção da matéria-prima, para finalizar na comercialização desse produto final no mercado. Dessa forma, caso algo de errado acontecesse em meio a esses processos, não havia outra pessoa para colocar a culpa, senão nele mesmo.

Felizmente os tempos evoluíram, e hoje, como bem sabemos, as empresas não funcionam mais por meio de processos únicos, mas sim por meio de projetos, onde várias pessoas estão envolvidas direta e indiretamente na produção de um determinado produto ou serviço final. Assim, torna-se muito mais fácil, e consequentemente mais comum, alguém transferir a culpa de algum processo falho para outra pessoa.

É assim, por exemplo, que quando o seu pedido chega em desacordo com o que você comprou, o funcionário que conferiu e embalou pode colocar a culpa naquele que emitiu a nota, que pode colocar a culpa em seu chefe tirano, e por aí vai…

Quando a culpa individual evolui para o fracasso coletivo

Veja, em qualquer fracasso, há sempre duas partes: o evento em si, com todo o desapontamento, confusão e vergonha a ele associados; e a sua reação a ele. Enquanto o primeiro trata-se de um fator incontrolável, o segundo, a sua reação, não.

Devemos lembrar que o fracasso nos dá oportunidade para crescer, as quais não podem ser ignoradas. Além disso, se não usar o que deu errado para educar a si mesmo e também os seus colegas, você estará perdendo uma grande oportunidade de melhorar a cultura da sua organização.

Existe uma maneira rápida para determinar se sua empresa adotou a definição negativa de fracasso. Pergunte a si mesmo o que acontece quando é descoberto um erro ou quando um projeto falha.

As pessoas se fecham em si mesmas, em vez de se reunirem para descobrir as causas dos problemas que poderiam ser evitadas?

Elas se tornam introspectivas? Enterram suas cabeças na areia?

A cultura da sua empresa permite tornar seguro para as outras pessoas o reconhecimento do erro ou coibi qualquer discussão, buscando alguém para culpar?

Se a resposta for positiva, eu lamento dizer, mas sua cultura organizacional tem fortes indícios de condenar o fracasso.

Conclusão

Numa cultura avessa ao fracasso e baseada no medo, as pessoas, conscientemente ou não, irão evitar riscos. Este já é suficientemente difícil e não precisa ser aumentado com a busca por um bode expiatório.

Ou seja, em vez de buscarem novas soluções para antigos problemas, buscarão repetir alguma coisa segura que foi boa o suficiente no passado.

É claro que existem áreas nas quais é essencial um índice zero de fracasso, como a aviação comercial, os hospitais e os bancos. Porém, e aqui está a principal lição desse texto, o fato de ser “livre de falhas” ser crucial em algumas indústrias, não significa que isso deva ser uma meta para todas elas.

No caso de empreendimentos criativos, onde talvez a sua empresa possa se enquadrar, o conceito de zero falhas é pior que inútil. Ele é contraproducente.


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Sobre Diego Andreasi 427 Artigos
Direto do interior de São Paulo. Já trabalhei como gestor nas áreas de tecnologia e indústria, e hoje sou gerente de uma Incubadora Tecnológica, além de Professor de disciplinas ligadas a Administração. Viciado em livros e torcedor do São Paulo Futebol Clube, há 10 anos criei a marca Jovem Administrador, e desde então venho tentando trazer mais informações aos Administradores, seja escrevendo textos ou divulgando outros materiais sobre nossa profissão. Em 2015, escrevi o meu primeiro livro "O Manifesto de um Jovem Administrador", que já está em sua 2º edição, tendo vendido quase 2 mil exemplares.

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